VENENO NA FEIRA
Tão fundamentais para a agricultura moderna quanto os fertilizantes são os pesticidas.Ainda mais com as monoculturas sem fim de hoje. Imagine o que acontece quando um inseto que tem na raiz da soja seu prato preferido topa com hectares e mais hectares onde só existe essa planta? Ele não arreda mais o pé dali, se reproduz vertiginosamente e traça tudo o que vê pela frente: eis uma praga agrícola. Elas não são novidade. Mas claro que, com a demanda por alimentos que existe hoje, seja ou não comida industrializada, não dá para abrir mão deles.
No Brasil, menos ainda. O surgimento de novas pragas, como a ferrugem de soja (um fungo nocivo), transformou o país no maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Superamos os EUA nesse quesito em 2008, quando o mercado de defensivos agrícolas movimentou mais de US$ 7 bilhões no país. A façanha tem consequências. Em junho passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou o relatório anual sobre a presença de resíduos de agrotóxicos nas frutas, verduras, legumes e grãos que o brasileiro consome. Das 2130 amostras de 20 culturas de alimentos estudadas pela agência em 2009, 29% apresentaram alguma irregularidade. Mas não é motivo para pânico. "O fato de um alimento apresentar resíduos de pesticida além do limite estabelecido não indica necessariamente risco para a saúde", diz a toxicologista Eloisa Caldas, da Universidade de Brasília. O ponto, segundo ela, é evitar uma dieta monótona. Quanto mais variada sua alimentação, menos chance você tem de comer o mesmo pesticida. E isso diminui o risco de intoxicação.
Mais seguro ainda é comprar alimentos orgânicos. Eles não recebem veneno em nenhum momento, desde o plantio até a gôndola do supermercado. Nem veneno nem fertilizante químico. Então são mais saudáveis para o ambiente. E a quantidade de nutrientes por centímetro cúbico é maior. O problema é que a produção da lavoura orgânica é, em média, 30% menor do que a convencional, e os vegetais que saem dela acabam 30% mais caros.
Estudos mostram que, mesmo assim, daria para alimentar o mundo só com orgânicos. Mas só se o consumo de carne diminuir. O que uma coisa tem a ver com a outra? É que boa parte do que plantamos é para alimentar animais de criação. Uma peça de picanha, por exemplo, exige 75 quilos de vegetais para ser produzida. Só que o mundo está cada vez mais carnívoro - a China, depois de ter virado a 2º maior economia do mundo, passou a comer 25% de toda a carne do planeta. Hoje temos 20 bilhões de animais de criação, e a perspectiva da ONU é que esse número vá dobrar até 2050.
Até existe um tipo de carne que não depende nada das plantações: os peixes selvagens. Mas eles não são alternativa. Primeiro, porque os mais nobres estão acabando. Algumas espécies de atum e de bacalhau não devem escapar da extinção. Segundo, porque existe o perigo da contaminação por mercúrio, pelo menos para quem come certos peixes com frequência.
Funciona assim: embora o metal possa ser encontrado em todos os ambientes, é no meio aquático que mora o perigo. Graças à ação de bactérias, sobretudo em zonas alagáveis, o mercúrio é transformado em sua forma orgânica e mais perigosa: o metilmercúrio. Nessa versão, ele penetra nas algas. As plantas aquáticas tem baixo teor de mercúrio, mas os peixes herbívoros (que se alimentam dessas plantas) tem um pouco mais. E os predadores (que comem os herbívoros) acabam com um índice bem maior. Quanto mais perto do topo da cadeira alimentar, mais contaminado tende a ser o peixe. Não significa que todo peixe grande esteja contaminado. Se ele vive numa região livre de mercúrio, o que é comum, não tem problema. Mas claro: quem vê cara não vê contaminação.
Você só tem como saber o estado dos peixes que comeu se acabar intoxicado - os sintomas são vertigem, tremores, perda de memória, problemas digestivos e renais, entre outros. Não, não precisa parar de comer esses peixes, só ter alguma moderação. Mas o risco não deve diminuir - o mercúrio é um resíduo das termoelétricas. E a maior parte do mundo ainda é movida a carvão...
Peixes contaminados, overdose de gordura e açúcar, fertilizantes que dependem de combustíveis fósseis e destroem ecossistemas... Estamos no fim da linha, então? Sim.
Mas já estivemos antes. Ontem mesmo era 1960, o mundo tinha 3 bilhões de habitantes e uma certeza: estávamos à beira de um colapso. Mais um pouco e não teria comida para todo mundo. Mas não. Chegamos a 6,5 bilhões de pessoas graças justamente à globalização dos fertilizantes e da comida industrializada - a produção em massa barateou os alimentos. Esse boom alimentício ficou conhecido como Revolução Verde. Agora, precisamos de mais revoluções. Uma, a da conscientização sobre os perigos do fast food e da comida processada, já começou. E a ciência tem feito seu papel também, pesquisando alternativas que vão de plantas geneticamente modificadas que dispensam fertilizantes e pesticidas até carne de laboratório - um meio de entregar proteínas sem o intermédio de animais. Seria uma espécie de segunda Revolução Industrial da comida. Não sabemos como nem quando ela vai acontecer. Mas há uma certeza: não podemos ser bestas de esperar pelo colapso.
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