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19 março 2011

Por Olivier De Schutter - Devemos parar de investir em etanol

Olivier De Schutter, rapporteur especial da ONU para o Direito à Alimentação, falou a revista Época sobre a produção de biocombustíveis, uma das principais bandeiras do governo Lula, que também seria um entrave, na opinião do especialista em direitos humanos.



  O senhor defendeu o congelamento da produção de biocombustíveis para evitar a crise dos alimentos. Eles são a causa dessa crise?
Olivier De Schutter – Certamente, a produção de biocombustíveis nos Estados Unidos, na Europa, no Brasil e em outros países não é a única causa dessa crise mundial. Mas, com certeza, é uma delas, ao lado de outros fatores, como a especulação dos preços no mercado. Peço o congelamento da produção porque os biocombustíveis não são tão bons para o meio ambiente como se dizia e porque, se expandirmos o número de propriedades fabricando combustível para carros, teremos menos espaço para produzir alimentos.

Esse pedido vale para todos os biocombustíveis, incluindo o álcool de cana-de-açúcar feito no Brasil?
De Schutter – Quero ser bem claro, porque houve muita confusão sobre isso. Não estou pedindo a reversão das políticas que temos agora. No Brasil, se não me engano, 54% do consumo de combustível é de etanol. Seria completamente irreal e teria impactos sociais muito negativos se o Brasil, de repente, decidisse parar a produção de biocombustíveis. É impensável para mim. Nós devemos, basicamente, não avançar nesse setor. Devemos congelar novos investimentos, especialmente nos Estados Unidos e na União Européia. Ambos começaram a s produzir biocombustíveis muito mais tarde, enquanto o Brasil desenvolve a tecnologia desde os anos 1970. Na União Européia e nos Estados Unidos é um fenômeno muito mais recente, e ambos criaram objetivos extremamente ambiciosos que, acredito, deveriam ser abandonados. Por isso, falo em um congelamento, e não em uma moratória. A moratória pararia a produção e o congelamento pararia a expansão e os novos investimentos no setor. 
 
Seu antecessor, o suíço Jean Ziegler, deixou o cargo dizendo que a produção de biocombustíveis é um “crime contra a humanidade”. O senhor concorda?
De Schutter – Não concordo, não acho que é uma caracterização correta, mas, como disse, acho que os objetivos traçados por União Européia e Estados Unidos são irreais e o prejuízo ao meio ambiente é maior que o benefício de combater as mudanças climáticas. A cana-de-açúcar do Brasil não é tão ruim, especialmente do ponto de vista ambiental, como o uso do milho ou de óleos vegetais, mas minha preocupação é que essa terra esteja sendo usada para produzir combustível, e não comida.

O senhor tem planos para visitar o Brasil e conhecer melhor as propostas do país neste setor?
De Schutter – No momento não tenho planos de ir ao Brasil, mas gostaria de ir durante minha permanência no cargo. Estou em contato com autoridades brasileiras e me prometeram que vão mandar as informações sobre o programa de biocombustíveis brevemente, e vou estudá-las com muito interesse.

Ao assumir o cargo, a primeira opinião que o senhor tornou pública foi a oposição à produção dos biocombustíveis. O senhor tem esperança de que a comunidade internacional atenda a esse pedido?
De Schutter – É realista o que proponho sobre os biocombustíveis. Não quero questionar a política atual ou a produção atual, mas, sim, não ir adiante. É relativamente fácil renunciar a objetivos como o americano, de multiplicar por cinco a produção de hoje até 2022, porque isso simplesmente significaria não ir além do uso atual dos biocombustíveis.

Muitos apontam os subsídios agrícolas pagos por Estados Unidos e União Européia como uma das grandes causas da atual crise. O senhor concorda com essa avaliação?
De Schutter – Em primeiro lugar, é claro que os enormes subsídios pagos por países industrializados a agricultores (só na Europa somaram 55 bilhões de euros em 2007) devem ser diminuídos significativamente porque tornam extremamente difícil para os agricultores de países em desenvolvimento a expansão dos negócios, a venda da produção no mercado internacional e a competição em condições aceitáveis. Estou muito feliz por ouvir que o lobby da agricultura está sendo cada vez mais criticado por manter essa prática. Em segundo lugar, no entanto, não podemos esquecer que vários países em desenvolvimento, muitos da África Subsaariana, alguns dos menos desenvolvidos, são importadores de comida. Se removermos os subsídios sem medidas compensatórias, poderá haver um impacto ruim para essa população, tornando a comida mais cara. É preciso remover os subsídios, mas ter contrapartidas, como programas sociais que permitam a produção de alimentos nesses países que, agora, são importadores.

Que caminho se deve seguir para evitar novas crises como essa?
De Schutter – Precisamos de dinheiro para a agricultura dos países em desenvolvimento. Nesses países, existe uma margem de produtividade que pode ser usada para aumentar a produção mundial, com muito menos dinheiro do que seria necessário em países industrializados ou mesmo em países muito desenvolvidos no setor de agricultura, como é o caso do Brasil. Investir na plantação de alimentos em países em desenvolvimento é algo que nós não fizemos de forma suficiente nos últimos 20 anos. E uma das razões de o preço estar aumentando como agora é o fato de a produção não ser capaz de igualar a demanda, que está crescendo em vários países, incluindo economias emergentes, como Índia, China e Brasil.
 

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